quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Saudade

Quando chegou a altura, fugi das despedidas. As que não consegui evitar. aligeirei com um até já, uma palmadinha no ombro. Queria enganar a tristeza, mentir à dor, esconder-me da saudade já à espreita. Mas o coração não me perdoa a mentira, não me perdoa a cobardia. E agora, o sonho, impiedoso, cruel, tortura-me e obriga-me a repetir, noite após noite,  todas as despedidas que não quis fazer. 

Cartas de Maputo para Lisboa (II)

As meninas saem da escola,
saia azul, camisa branca,
os cabelos e os olhos tão bonitos:
está na hora de vender amendoins.
Explicam à senhora loira, muito branca,
que, se venderem amendoins,
hoje, hão-de ter o que jantar.
A senhora loira, muito branca,
quer chorar porque nunca soube
como se faz para mudar o Mundo.
Mas engole as lágrimas,
pelo menos hoje,
sabe comprar amendoins.

Cartas de Maputo para Lisboa (I)

Se o Mar fosse feminino,
então, o Mar seria Mãe,
e se o Mar fosse Mãe,
os rios correriam ao contrário
Os rios correriam ao contrário
e nunca, em parte alguma,
a água seria escassa.
Os rios correriam ao contrário
e toda a água
seria potável e doce.

?

Se calhar,
de vez em quando,
muito de vez em quando,
escrevo um poema.

Intro_Perspectiva

Não, eu não estou dividida,
eu inteira quero ir,
eu inteira quero ficar.

Como se decide?
Entre um eu e um mim,
Escolhi um tu.

Pontes de interrogação

Adivinho que nem tudo
deve ter resposta
Sei que, mesmo quando existe,
a resposta,
eu posso nunca a encontrar,
muito pouco do que existe no Mundo
aceitará o meu humilde convite
para tomar chá de madrugada.
Mas,
sei eu desistir de procurar as respostas
como me hão-de encontrar as perguntas?

Ruído

Multidão!,
mais força nesses tambores
que o silêncio 
é, na realidade,
o nosso único espelho

Mendigos


Já não temos Mãe nem Pai.
Em que dia nos morreu a infância
e nos tornámos os obedientes filhos
do tempo e dos espelhos?
Em que dia nos morreu o céu
e nos tornámos enteados maltratados,
danificados, crianças-mendigo
de mãos constantemente estendidas
à espera de um raríssimo beijo
dos nossos novos educadores?

quinta-feira, 22 de maio de 2014

Esperar


Quando vem
chega contra o corpo e o peito contém

a memória da pele
a memória da tua pele
a memória inscrita, cravada, marcada, da pele dele
na minha pele

Mas não vem
contra o corpo do tempo, não ganha ninguém

nem a memória da pele
nem a memória da tua pele
nem a memória ofegante, beijada, suada, da pele dele
na minha pele

Quando não vem
Talvez seja a memória que o retém.

quarta-feira, 21 de maio de 2014

Tu Sabes Bem

Sabes bem a quem bem me sabe

Ao sabor da sua vontade

Sabes bem
E eu sei que bem que sabes

Que

Sabes tão bem

Que sabes a amor

E sabes-me ao sabor

do amor de mais ninguém.

quinta-feira, 15 de maio de 2014

Pré-Poema Alma

Um dia,
ainda te deixo tanta alma
num poema
que não sobra nenhuma para mim.

E morrerei sem ter um fim
e sem ter um eu e nesse dia
serei metade poema e metade poesia.

terça-feira, 6 de maio de 2014

Pré Poema Mariana

Espera, por favor, escuta-me Mariana,
sim, sim,eu sei que já não respondes,
mas talvez ainda te ouça explicar, Mariana,
onde é que me moram as saudades.

Onde é que moram as saudades?
Numa casa demasiado pequena,
uma brancura surda e muda nas paredes,
(tantas paredes, sempre demasiadas paredes)
não há chuva, nem vento, nem Sol, nem neve.
nem perto, nem longe, nem longo, nem breve

o tempo, neste corpo a corpo com o agora,
não há chuva, nem vento, nem Sol, nem neve
nem perto, nem longe, nem longo, nem breve
aqui dentro não estás, Mariana, e lá fora,
já não há mais, não há mais quem me leve.

sexta-feira, 25 de abril de 2014

Frios

Posso culpar o Outono, posso culpar a Primavera,
Posso culpar o Inverno, ou até mesmo culpar o Verão,
mas todo o frio que faz lá fora,
desde que o Amor se foi embora,
nasce dentro do meu coração.