Não, ainda não consegui ouvir a minha voz
ainda não consegui ouvir-me
mas já a vejo, ela já espreita
encostada ao espelho meu
sim, já a vejo, ela abre os braços
e espreita-me à porta do meu nome
Agora que a vejo, já sei mais quem sou,
já sei que também eu sou,
já sei que, afinal, até eu tenho uma explicação,
até eu, mesmo tão estranha, mesmo tão peculiar,
posso, por fim, entender-me, definir-me,
perdoar-me tanta dor, perdoar-me as tentativas,
porque eu não sou quem eu não sou:
eu sou a voz, sou ela que se mostra, agora,
hei-de vê-la bem, ouvi-la ainda melhor,
há-de fundir-se em mim, somos uma,
e o perdão nos seus olhos, há-de ser o meu,
se eu me perdoar, penso que o mundo
também me perdoará. Sim, talvez eu não seja,
como sempre suspeitei, uma pessoa
de carne e osso, a expressão no meu rosto
paralisa muitas vezes, pendurada no cabide da confusão,
nem sempre sei o que sentir, mas sinto tudo, sinto tanto
que talvez exista uma pessoa, que é a que me espreita,
escondida bem fundo, no fundo da carne e do osso
do corpo estranho e perplexo de mim.
Sem comentários:
Enviar um comentário