Entrou
no autocarro. Era uma confusão de braços e pernas em luta com vários
sacos e uma mala; se calhar os sacos e a mala também já eram uma espécie
de braços e pernas, tudo lutava contra o movimento do homem, tudo
pesava, e os dedos, de tão crispados, eram as novas articulações. Lutou
contra o corredor do autocarro, contra o seu peso e contra o peso
daqueles membros todos até ao primeiro lugar livre.
Carinhosamente, começou a pousar os sacos e a mala numa ordem: metade
dos sacos, no meio a mala, restantes sacos: agora, os braços e pernas
postiços eram filhos pequenos. O autocarro balouçava e curvava e os
filhos escorregavam do lugar para o corredor, a mala virava-se, o homem
não se sentava e repetia o processo de arrumação e o autocarro balouçava
mais e tudo se repetia e o homem continuava naquela luta corpo a corpo
contra os movimentos do autocarro; cada vez que lhe parecia ter vencido e
tentava sentar-se, o autocarro roncava, imperturbável, impiedoso, e
atirava os filhos do homem para a desorganização. Chegámos à paragem
terminal, O autocarro parou. O homem organizou os sacos e a mala na
ordem que desejava. E sentou-se, muito contente. E eu até queria rir.
Mas depois perguntei-me quantas vezes teremos persistido em determinada
acção, muito para além de qualquer janela temporal da utilidade,
completamente dominados pela força da necessidade de conclusão? Sentimos
a linha desamparada na angústia de não lhe oferecermos um ponto final?